É sempre muito profundo e emocionante o relato do médico que se especializa em estudar e combater determinada enfermidade que depois acomete a ele próprio. Num caso similar ao da psiquiatra Kay Redfield Jamieson, que contou a sua história no livro "Uma Mente Inquieta", o médico americano Arthur Rivin escreveu um excelente artigo, publicado na edição do 'O Estado de São Paulo' de, 03/07/10, sobre a sua experiência com o mal de Alzheimer. Leitura obrigatória não só pra quem já está na terceira idade, mas principalmente para quem quer chegar lá bem informado e preparado:
O Alzheimer, pelo paciente Arthur Rivin
"Sou médico aposentado e professor de medicina. E tenho Alzheimer.
Antes do meu diagnóstico, estava familiarizado com a doença, tratando pacientes com Alzheimer durante anos. Mas demorei em suspeitar da minha própria aflição.
Hoje, sabendo que tenho a doença, consegui determinar quando ela começou, há 10 anos, quando estava com 76. Eu presidia um programa mensal de palestras sobre ética médica e conhecia a maior parte dos oradores. Mas, de repente, precisei recorrer ao material que já estava preparado para fazer as apresentações.
Comecei então a esquecer nomes, mas nunca as fisionomias. Esses lapsos são comuns em pessoas idosas, de modo que não me preocupei.
Nos anos seguintes, submeti-me a uma cirurgia das coronárias e mais tarde tive dois pequenos derrames cerebrais. Meu neurologista atribuiu os meus problemas a esses derrames, mas minha mente continuou a deteriorar.
O golpe final foi há um ano, quando estava recebendo uma menção honrosa no hospital onde trabalhava. Levantei-me para agradecer e não consegui dizer uma palavra sequer.
Minha mulher insistiu para eu consultar um médico. Meu clínico-geral realizou uma série de testes de memória em seu consultório e pediu depois uma tomografia PET, que diagnostica a doença com 95% de precisão.
Comecei a ser medicado com Aricept, que tem muitos efeitos colaterais. Eu me ressenti de dois deles: diarréia e perda de apetite. Meu médico insistiu para eu continuar. Os efeitos colaterais desapareceram e comecei a tomar mais um medicamento, Namenda.
Esses remédios, em muitos pacientes, não surtem nenhum efeito. Fui um dos raros felizardos. Em dois meses, senti-me muito melhor e hoje quase voltei ao normal.
Demoramos muito tempo para compreender essa doença desde que Alois Alzheimer, médico alemão, estabeleceu os primeiros elos no início do século 20, entre a demência e a presença de placas e emaranhados de material desconhecido.
Hoje sabemos que esse material é o acúmulo de uma proteína chamada beta-amiloide. A hipótese principal para o mecanismo da doença de Alzheimer é que essa proteína se acumula nas células do cérebro, provocando uma degeneração dos neurônios.
Hoje, há alguns produtos farmacêuticos para limpar essa proteína das células. No entanto, as placas de amilóide podem ser detectadas apenas numa autópsia, de modo que são associadas apenas com pessoas que desenvolveram plenamente a doença.
Não sabemos se esses são os primeiros indicadores biológicos da doença.
Mas há muitas coisas que aprendemos. A partir da minha melhora, passei a fazer uma lista de insights que gostaria de compartilhar com outras pessoas que enfrentam problemas de memória: tenha sempre consigo um caderninho de notas e escreva o que deseja lembrar mais tarde.
Quando não conseguir lembrar-se de um nome, peça para que a pessoa o repita e então escreva.
Leia livros. Faça caminhadas. Dedique-se ao desenho e à pintura. Pratique jardinagem. Faça quebra-cabeças e jogos. Experimente coisas novas.
Organize o seu dia.
Adote uma dieta saudável, que inclua peixe duas vezes por semana, frutas e legumes e vegetais, ácidos graxos ômega três.
Não se afaste dos amigos e da sua família. É um conselho que aprendi a duras penas. Temendo que as pessoas se apiedassem de mim, procurei manter a minha doença em segredo e isso significou me afastar das pessoas que eu amava.
Mas agora me sinto gratificado ao ver como as pessoas são tolerantes e como desejam ajudar.
A doença afeta um a cada oito pessoas com mais de 65 anos e quase a metade dos que têm mais de 85. A previsão é de que o número de pessoas com Alzheimer nos EUA dobre até 2030.
Sei que, como quaisquer outros seres humanos um dia vão morrer.
Assim, certifiquei-me dos documentos que necessitava examinar e assinar enquanto ainda estou capaz e desperto, coisas como deixar recomendações por escrito ou uma ordem para desligar os aparelhos quando não houver chance de recuperação.
Procurei assegurar que aqueles que amo saiba dos meus desejos.
“Quando não souber mais quem sou, não reconhecer mais as pessoas ou estiver incapacitado, sem nenhuma chance de melhora, quero apenas consolo e cuidados paliativos.”
ARTHUR RIVIN FOI CLÍNICO-GERAL E É PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA.Alois Alzheimer
Eu e Minha Mãe, Sra. Wilma!
As palavras dormiram em mim por um longo tempo.
Estavam em gestação.
Hoje elas nascem aos poucos
e quase sempre em horário noturno
quando quase todos dormem.
E é nesse mundo de palavras que eu me perco
e mais me encontro .(Lou Witt)
Mãe, na minha mesa está faltando a Senhora!
Saudades, Mãe!
Sílvia
9 comentários:
Também me fez vir água nos olhos, Silvia. Belíssimo post... E necessário. beijos.
Silvia este post é muito comovente.
Tanto pela sua história com a sua mãezinha, como pelo texto do médico americano Arthur Rivin. Esta doença tem tirado a alegria de muitas famílias.
A minha tia também sofreu este mal e era sozinha sem filhos, nós cuidamos dela. Escrever a ajudava muito, caminhar, ler...
Por enquanto ficamos na saudade, mas temos esperança, isto é que importa.
beijos
Obriada Nydia Querida!
abraço, beijo, carinho, amor, brincar, rir, entrar no mundo daqueles que nos são amados e preciosos. Coisa boa é 'me' perceber e ter feito tudo isso com a Wilminha... Temos ummas fotos muito homéricas onde ela brincava com os netos ainda bem de saúde. E, eu e minha Filha pintávamos o rosto e no cabelo maria-chiquinha e ela gargalhava até não poder mais. Bom quando todos entes queridos entram na dança e bailam juntos conforme necessário. Isso todos nós, seus filhos fizemos bem feito. Amém!
Com carinho e feliz por sua visita
Sílvia
Silvia este post, foi muito comovente. Esta doença tem trazido tristeza a muitas famílias.
É de fazer chorar mesmo, mas felizmente além da saudade temos esperança.
Beijos
De uma Querida Sobrinha:
Muito lindo seu blog !
Parabens pelos trabalhos apresentados.
Elisabete Ramalho
De uma Amiga (chará, muito amiga mesmo daquelas que é gente como a gente, que nos completa e faz feliz. Ombro amigo? Sempre! Posto seu comentário sobre o Texto:
"Querida Silvia, foi uma delícia me envolver nos seus "retalhos", tão bom como a colcha de retalhos da minha avó, sem recheio de manta acrílica.
Meu pai faleceu aos 72 anos, de pneumonia causada por um cérebro que não conseguia mais comandar o pigarro. Ele era um pesquisador, fluente em alemão (língua materna), inglês (língua de Gileade), francês (11 anos na
França, onde aprendeu a "língua pura") e português, por viver no Brasil, sua designação, desde 1957.
Nos últimos anos, em seu cérebro encolhido (visivelmente em exames de tomografia e ressonância), faltavam os arquivos que lhe diziam que minha mãe era a esposa dele, que meu irmão era seu filho, e não amante da minha mãe, e os arquivos que o ajudariam a entender uma frase como: "Pedro, por favor, pegue aquele guardanapo que está ao lado do fogão."
Faltavam os arquivos que diziam como desatar ou atar o nó dos cadarços do sapato, e como se desabotoa uma calça para ir urinar. Ou até onde ficava o banheiro.
Estavam intactos os arquivos de amor ao nome de Jeová e de senso afiado de moral. Com isso, quando minha mãe vinha ajudá-lo para ele poder ir ao banheiro... E lutava literalmente com unhas e dentes, porque não se lembrava de ter se casado com ela.
Nos seus últimos 10 dias de vida, fui ao hospital em Araraquara, e, lá chegando, ele estava dormindo. Minha mãe informou: O médico disse que ele está em coma, e talvez não acorde mais."
Visto que meu pai não se lembrava que eu era sua filha, mas me tratava como filha, e mostrava que gostava muito de mim, comecei a acariciar seu rosto e falar com ele. Mas ele não despertou.
Aí, cantei "Ore a Deus sem cessar" e em poucos minutos ele despertou, e nos dias seguintes, recebeu visitas, conversou com irmãos e tudo... E acolhia com grande entusiasmo os que ele sabia que o queriam bem e honravam.
Minha mãe cuidou dele sozinha. Isto lhe custou alguns sentimentos de remorso, que são inevitáveis quando alguém se ocupa sozinha deste cuidado que põe os nervos à prova a cada minuto.
Há filmes que mostram preocupação com esta doença Maldita que é morte de uma parte de nós, o papagar do "eu", que são as nossas lembranças: "Como se fosse a primeira vez" (/50 First Dates)/ e "Diário de uma paixão" (/The Notebook/). Já os assistiu? A chave é exatamente o que você
menciona nos "retalhos" e o que o Dr. Rivin está fazendo: escrever tudo o que lembra enquanto é tempo. E fotografar, filmar. Fora disso, pedir aos que nos cuidam que sejam amorosos e pacientes. E semear isso sendo-o nós mesmos, já que os misericordiosos serão tratados com misericórdia.
Como será bom presenciar a cura desta calamidade, que é morrer a maior parte do tempo, num corpo vivo.
Parabéns pelo blog e obrigada por compartilhá-lo. Achei-o muito lindo, inteligente, sensível e amoroso, além de bem escrito.
Um grande beijo
Silvia Lentz
Querida Sílvia, parabéns pelo maravilhoso blog e por este comovente post.
Obrigada por partilhar conosco seus retalhos.
Não a conheço pessoalmente, mas suas qualidades são bem evidentes.
A mensagem de sua amiga Sílvia Lentz é emocionante.
Beijinhos
Perdi minha mãe para o Alzheimer há quase dois anos quando seus pensamentos não mais lhes pertenciam.
Prometi a mim mesma que jamais esse mal me atingiria e pra que isso não aconteça me entreguei ao mundo das palavras e hoje escrevo, escrevo e escrevo, pois sei que assim minha mente nunca estará disponível e vazia.
Agradecida e emocionada!
Beijo
Lou Witt quando nos sentimos tristes, que logo pensemos nos bons e agradáveis momentos juntos.
Sabermos da dignidade, amor, carinho, beijos, abraços que lhes demos nos conforta e confortamos uma a outra. Perda é triste,temos que vivenciá-la não podemos pular etapas. A escrita nos conforta pois só assim podemos saber que nossas histórias se entrelaçam em algum momento. Você é corajosa, maravilhosa e já mora no meu coração!
Com amor e carinho,
Sílvia
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