quinta-feira, 19 de maio de 2011

Jeito de ser...

Hoje me vi exposta a uma situação que, devido ao momento social e familiar em que vivemos, causou-me de estranheza. Após prestar-me serviço doméstico rotineiro, antes de sair, uma jovem apenas ofereceu-me um bombom, indagando:
"- A Senhora aceita?”.
Foi este o gesto tão simples e espontâneo que, paradoxalmente, desencadeou em mim uma profunda reflexão:
Quanta Gentileza! (parecendo uma extraterrestre, quase não aceitei... havia me esquecido de quão bom é ser 'lembrada').
A jovem saiu e, boquiaberta, fiquei eu a pensar sobre um comportamento tão simples, singelo e delicado, e que não mais existe nestes tempos vividos, a ponto de parecer um gesto deslocado no cotidiano da vida. E quando nos acontece, deixa-nos assim, sem reação, e isto talvez seja a prova de que ficamos desacostumados a dar e - mais estranho ainda - a receber gentileza.  
É uma atividade em extinção.
Poucos ainda se lembram de que ela existe, imaginem então 'usá-la'?
Situação desconcertante, mas pior ainda minha sensação de impotência diante de tal constatação. Percebi como os valores humanos estão mudando... E para pior. Desejaria poder estar declarando o contrário, mas estaria 'disfarçando' ou 'tapando o Sol...
Faz muito tempo que não abro Minha Colcha de Retalhos, e justamente meu retorno é inspirado em um tema polêmico, e até desagradável - infelizmente.
Nestes últimos meses minha percepção está voltada para o comportamento humano no que diz respeito à falta de tato, contato, delicadeza, interação...
Poderia usar vários sinônimos, mas um que cai bem nesse momento é: Gentileza!
A falta dela, agravada pela ausência de afetividade em nossas vidas, faz sonhar em como é gostoso saber- se notado, lembrado por alguém. Percebo que ninguém deseja ocupar seu tempo em ser 'gentil'. Parece que a vida está veloz, mais curta, e certos comportamentos devem ser retirados da rotina das pessoas - substituídos pelo que 'acham' ser essencial. E com isto, as qualidades que eliminam são os bons modos, o que inclui a gentileza - que nesse momento tomo como exemplo. Espanto-me percebendo como certas pessoas eliminam das suas vidas a conscientização do partilhar, escutar, participar com outros a gentileza.
Estas pessoas parecem uma 'Ilha rodeadas delas mesmas por todos os lados'. Só conseguem 'se' perceber e não há espaços para 'perceberem' o outro.
Mesmo que vivam dentro da mesma Casa, é impressionante como pode- se ficar literalmente invisível. Difícil colocar em palavras esse sentimento de impotência diante da frieza do outro e se dar conta de como se é invisível.
Não estou falando do respeito pelo que o outro pensa, pois somos universos diferentes e isso é bom, saudável e dá colorido à vida.
Estou falando de coisas simples, como prestar atenção com interesse genuíno aos que estejam ao seu redor, notar seus sentimentos e apreciá-los com palavras encorajadoras motivando o respeito mútuo. Simplesmente ter boas maneiras como:
-Agradecer os serviços prestados é uma bela maneira de mostrar respeito por um professor, um médico, um lojista ou qualquer outra pessoa.
Como é bom mostrar cortesia por dizer, ”por favor” “muito obrigado” e “ com licença” ao passar pelos outros.  

Diz um provérbio alemão: “Quem o chapéu tirar, bem recebido será em todo lugar.”
O significado desse provérbio é que as pessoas tendem a ser mais gentis e solícitas com aqueles que têm boas maneiras.

Exemplo: Família imediata, aquela que mora na mesma Casa, mas pouco se sabe um do outro, sobre seu filme preferido, sua cor predileta, a comida de que mais gosta se está resfriada ou com dor de cabeça, e por aí afora... Parece que é mais fácil entrar num site comunitário para saber de algum membro da família (imediata), do que contatar face a face familiares.
Este comportamento 'euista' me assusta à medida que percebo que é uma quase epidemia, é global - e não apenas aqui ou acolá. Com o tempo, inclusive, sem que haja 'ação' na direção oposta, vai se perdendo esse valor na educação. Por não colocar em prática vai se esquecendo dele e, de repente, não há mais sinal de gentileza e nem há a percepção da existência do outro familiar que vive no mesmo contexto.

Onde estão valores simples que alegram nossa vida, como:
"- Obrigada Vovó por ter feito aquela sobremesa preferida...”.
"- Mãe, Pai, como é bom chegar a Casa e vê- los me esperando, então hoje trouxe uma rosa do jardim da nossa Casa para vocês...”.
“- Minha irmã, meu irmão, trouxe bombons, balas de tutti-fruti, para adoçarmos juntos a vida”...
"-Eu estava na Rua e lembrei o quanto você aprecia 'raleu': alguém vendia e trouxe um pedacinho para que saboreie...”.

"- Coisa boa é saber o quanto minha Tia se interessa por meus estudos e faz perguntas sobre o que aprendi durante a semana...."
"- Ah! percebo que a despensa está ficando vazia... estou indo buscar o que nos falta, sem esperar que me peçam, que acabem de vez ...”.
 

"- Desculpe entrar no seu quarto, mas não nos tínhamos visto. Vim trazer um copo de leite com café e saber como você está...."
Para Avó, Avô, Mãe, Pai, Tio, Tia, Primos, Genros, Noras, Amigos:  

“- Sei que já faz tempo que não nos vemos”. Estou lhe enviando um cartão para que saiba que é bom tê-la (o) na minha vida e para que saiba que faz parte da “minha história...”.
Ao abordar este assunto muitos podem me dizer que esse comportamento é 'cobrança', porque
cada um tem que agir espontaneamente, blá, blá... Mas onde está o desconfiômetro daqueles que se justificam assim? Esquecidos no arquivo morto com certeza. Penso que muitos usam justificativas demais para que suas desculpas sejam aceitas até por elas mesmas! Nem se dão conta de que estão ajudando nosso Mundo a ficar mais 'anestesiado, cauterizado' pela falta da gentileza.
Esta atitude, quando em prática, só faz bem: espalha carinho, brandura, mansidão, interesse pelo outro, mostra educação, e amplia nosso conteúdo e nossa bagagem, para enfrentarmos a vida com mais alegria. Tratar as pessoas de modo gentil e respeitoso é, em certo sentido, uma forma de elogiá-las. É como se estivéssemos dizendo à pessoa: ‘Você merece minha atenção e merece ser bem tratada.’
Assim, mostramos amor e interesse pessoal. Ser educado e gentil significa mais do que apenas seguir formalmente as regras de boa educação. Para tocar as pessoas, nossa gentileza e educação precisam ser sinceras - sair do coração para abrir o outro coração. Devem ser a expressão de verdadeiro interesse e de amor.
E foi esta exatamente sensação gostosa, que me percorreu hoje, ao ser presenteada com um... Bombom. Alguém me deu atenção, me tratou bem, mostrou interesse sem hora marcada, de repente e do nada. Estas surpresas agradáveis estão em falta no contexto da vida diária de muitos.
Gestos simples, mas muito significativos alegram a vida de todos.
Quando criança, com meus pais e irmãos, lembro-me de minha irmã primogênita me chamando, dizendo que era minha vez de lavar a louça do jantar.  Eu estava brincando na rua com meus coleguinhas e foi difícil e dolorido, ter de deixar a brincadeira gostosa para entrar em casa e saber o que me esperava: uma pia cheia de louça a ser lavada! Mas quando entrei na cozinha, minha irmã já havia lavado toda a louça e estava sorrindo toda feliz só para ver meu rosto de espanto e alegria. E, após me perceber, ela disse: "- Corra volte a brincar com seus coleguinhas...”.
Quanta gentileza da parte dela!
Minha Mãe muitas vezes escrevia um recadinho e deixava na geladeira para nós os filhos lermos e respondermos a sua solicitação. Muitas palavras eram escritas de maneira errada (s ao invés de ss, ou ç ao invés de c), pois sua escolaridade foi mínima.
Já meu Pai, que escrevia muito bem, nos fazia responder escrevendo a palavra errada para ela não se sentir 'menos' inteligente diante dos filhos que estudavam. Em outra ocasião percebia que minha Mãe escrevia a mesma palavra corretamente. Tudo certo!
Quanta delicadeza, respeito e gentileza da parte do meu sábio Pai!
Como sou grata por essa e outras lembranças tão lindas da minha história familiar. Meus pais davam o exemplo; por isso, eu e meus irmãos aprendemos ser de fato gentis e não apenas superficialmente respeitosos.
Reciprocidade é uma aprendizado contínuo e com a necessidade de atitude gentil no convício com outros.
Bem, é isto. Hoje, após um bom tempo, volto com mais um retalho nesta Colcha na espera que me tenha sabido fazer entender. Fica aqui um sentimento para quem o desejar resgatar, apreciar, exercitar:
a Gentileza nos tratos com familiares, amigos, colegas, com o leque de universos que se apresentam no decorrer da vida.



Agradeço a sua gentileza e sincera amizade
Sílvia